What about you, Maxine? What’s your American Dream?

Barbara Albertoni
8 min readApr 24, 2022

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O Texas e os assassinatos não são os únicos elementos em comum entre os filmes O Massacre da Serra Elétrica (1974) e X (2022).

Três homens e três mulheres caminham por uma fazenda carregando suas malas e equipamentos cinematográficos.
X (2022), do diretor Ti West

Cinema exploitation

Os acontecimentos sangrentos de X, o novo filme do diretor Ti West, se passam no ano de 1979 em uma fazenda no interior do Texas. Um grupo de jovens em busca de ascensão dentro da indústria cinematográfica resolve gravar um filme pornográfico amador chamado “As Filhas do Fazendeiro” e, para isso, aluga a propriedade rural de um casal de idosos puritanos, Howard e Pearl. A presença dos jovens naquele local e o motivo de eles estarem ali acabam despertando sentimentos violentos em Pearl. Realizando uma intersecção entre os filmes independentes, o gore e a pornografia, o diretor Ti West revive os famosos filmes exploitation e o emergente mercado de home video.

Os filmes exploitation funcionavam como uma saída para quem queria produzir, mas não tinha acesso aos grandes estúdios de cinema em Hollywood. A produção de formato exploitation visava filmes simples e baratos e que pudessem obter um retorno financeiro rápido. Por conta da necessidade financeira, os produtores se apoiavam na demanda do público jovem, o que nos Estados Unidos da década de 70 representava cenas excessivas de nudez, sexo e violência, já que essa era a única maneira de o público ter contato com esse tipo de conteúdo. Os filmes com cenas de sexo eram classificados como “XXX”.

Mesmo os filmes pornográficos precisavam de uma história e de uma equipe que soubesse manusear câmeras e luzes, captar o som, montar etc. As equipes regularmente eram formadas por estudantes de cinema. Muitos cineastas consagrados e considerados “cult” começaram com filmes exploitation.

Foto dos bastidores de uma cena do filme O Massacre da Serra Elétrica, de 1974. A foto foi tirada na sala de jantar e em volta da mesa estão os atores e membros da equipe de filmagem.
Foto dos bastidores de O Massacre da Serra Elétrica (1974), do diretor Tobe Hooper

Entre as décadas de 20 e 30, Hollywood promoveu uma autocensura com a imposição de códigos de conduta e a proibição de determinados temas em seus filmes — principalmente a sexualidade — a fim de limpar sua imagem. Ao longo das décadas, a urgência dos contextos políticos e sociais, a necessidade de transgredir as convenções sociais e a liberdade para diferentes experimentações artísticas fizeram com que o cinema exploitation se consolidasse como um refúgio e se transformasse em uma indústria paralela a Hollywood com um modelo independente de produção e muito potencial artístico. Os filmes exploitation incorporaram técnicas de movimentos cinematográficos europeus e criaram uma estética própria que ajudava a disfarçar o baixo orçamento.

O Sonho Americano está morto!

O professor e pesquisador de cinema Robin Wood define o gênero de horror como “pesadelos coletivos”. A ascensão do horror na década de 70, tornando-se o gênero mais importante na época, expõe a desintegração do conjunto de valores e ideais de prosperidade do Sonho Americano construído logo após a Segunda Guerra e que permaneceu forte durante a década de 50. O sonho se transformou em pesadelo e agonizava diante das câmeras.

A contracultura iniciada na década de 60, a liberdade sexual, a Guerra do Vietnã, os movimentos pelos direitos civis, os movimentos feminista e ambientalista, a crise econômica, a crise do petróleo, a reorganização produtiva do capitalismo, o conservadorismo do presidente Nixon: tudo isso borbulhava não só aos olhos da sociedade, mas também nas formações subjetivas. O horror absorveu os medos, as inseguranças e as contradições culturais daquela época e o sangue da guerra que os Estados Unidos causavam longe dali foi colocado dentro das casas através da televisão em um tom de ironia e de denúncia.

O Massacre da Serra Elétrica (1974), filme do diretor Tobe Hooper

Em 1974, através de um frenesi sociopolítico com tom apocalíptico, o diretor Tobe Hooper cruzou os caminhos de um grupo de viajantes formado por cinco jovens e de uma família de uma área rural do Texas no filme O Massacre da Serra Elétrica. O interior do Texas, visto como um lugar desconhecido e de caipiras retrógrados, passa a fazer parte de um arcabouço imaginário aterrorizante. Dava-se início, então, a uma nova fase do cinema de horror que possuía os jovens como público-alvo: os slashers. Esse tipo de horror não precisava mais de vampiros, fantasmas, alienígenas, demônios ou criaturas atômicas: a monstruosidade vinha do próprio ser humano — e às vezes vinha de uma família inteira também.

O surgimento e a popularidade do subgênero slasher têm relações intrínsecas ao contexto socioeconômico dos Estados Unidos na década de 70 que atingia, especialmente, os jovens e suas perspectivas de futuro. Os jovens da classe trabalhadora não estavam mais seguros e nenhum adulto poderia ajudá-los, eles estavam abandonados por suas famílias e pelo governo conservador e sem controle sobre seus destinos.

São nos sonhos e nos pesadelos que medos e desejos reprimidos se manifestam sem a censura do subconsciente e podem alcançar suas formas mais radicais. O objetivo do slasher era funcionar sem a censura do subconsciente, era traçar a conexão entre sonhos e pesadelos, prosperidade e sofrimento, sexo e morte. A destruição dos jovens em filmes slashers representa o desfecho para suas vidas condenadas pelas condições materiais impostas pelo capitalismo. A morte era o único fim concebível.

Cena do jantar na casa da família Sawyer. Na cena estão o avô, o pai e os dois filhos.

A família Sawyer trabalhava há gerações em um matadouro, mas foi substituída por métodos mais avançados de abate para elevar a produção capitalista. O capitalismo transformou os membros de uma família tradicional em assassinos, eis a ambivalência: eles são as vítimas e também são os monstros. Para enfrentar as adversidades e garantir a própria sobrevivência física e econômica, a família usufruiu de suas habilidades profissionais para continuar no ramo da carne, mas o abate não era mais de gado.

Os jovens hippies que conversavam sobre o início da Era de Saturno — uma nova Era simbolizada por uma maldade universal — representavam a modernidade que quebrou a tradição e deixou a família Sawyer, assim como muitas outras famílias da classe trabalhadora, desamparada. O canibalismo é a metáfora mais feroz de uma sociedade sob o modo de produção capitalista: o consumo literal de outra pessoa para a própria sobrevivência. Esse ato mais brutal para se manter vivo vem, ironicamente, da família tradicional, que está desmoronando enquanto instituição soberana. Os Sawyer são muito unidos, possuem apreço pelas convenções familiares e demonstram respeito e obediência ao patriarca; a nova geração de rebeldes estava destruindo isso.

X (2022), filme do diretor Ti West

A ambivalência da família Sawyer também está presente na personagem Pearl, do filme X. Não é apresentada a história completa dos antagonistas, de forma que a origem da repressão não é indicada objetivamente, apenas sugerida, colocando o próprio público para ir atrás de respostas. Em um breve encontro com Maxine, Pearl relembra sua juventude e dá algumas fragmentos de como foi a sua vida décadas antes: ela e Howard se casaram e formavam o casal perfeito, naquela época ele fazia qualquer coisa por ela, ela era dançarina e ele teve que ir lutar porque “a guerra veio, nem tudo na vida sai como você espera”, lamenta Pearl. A televisão do casal fica ligada em um programa de pregação cristã, indicando quais as crenças e os valores morais que cercam o casal.

Pearl possui uma obsessão pela juventude e essa obsessão é direcionada aos jovens de maneira violenta e sádica. Assim como a família Sawyer, Pearl é a vítima e o monstro: ela é uma vítima do tempo — assim como todos nós somos — e do capitalismo, que rejeita os mais velhos, porém ela encontra a vingança na violência e na morte. A família Sawyer é trocada pela tecnologia; Pearl e Howard são trocados pela beleza da juventude.

Enquanto os jovens de X aproveitam o poder da beleza para ganharem dinheiro e conseguirem realizar os seus “Sonhos Americanos” (Bobby-Lynne quer uma casa própria com uma piscina grande), Pearl almeja ser desejada sexualmente pelo marido como nos tempos de juventude. Howard não consegue satisfazer sua esposa, então ela busca esse prazer em outras pessoas — preferencialmente jovens que a façam se sentir jovem também — , porém ao ser negada desse prazer, a fúria de Pearl a transforma em uma assassina. O nível de perversidade alcança um patamar mais elevado quando, montando o quebra-cabeça, o filme oferece a possibilidade de interpretação de que Howard estaria mantendo um anúncio de aluguel de uma casa na fazenda para atrair jovens e ajudar a esposa na busca pelo prazer.

Maxine, interpretada por Mia Goth

A relação entre a “normalidade” e o “Outro”, extremamente comum no gênero de horror, aparece no desejo de Pearl em aniquilar os jovens. De acordo com Wood, a violência para com o Outro é um sintoma da repressão de si mesmo: busca-se destruir as características do Outro que não foram assimiladas pela ideologia burguesa e patriarcal dominante. O novo estilo de vida que os jovens dos anos 60 e 70 construíam não estava de acordo com o conservadorismo cristão e com a ideologia burguesa e patriarcal. Ao matar os jovens desviantes da moralidade, além da vingança, é como se Pearl procurasse um alívio para a repressão que sofreu durante a sua juventude.

Um dos tropos clássicos do subgênero slasher é a “final girl”, uma garota virgem e disciplinada que sobrevive ao assassino, ao contrário dos outros jovens que bebem, fazem sexo e se divertem e, consequentemente, são punidos por esses atos com a morte. Em X, há uma subversão desse tropo: a final girl é uma garota que largou a família e o pai pastor para se tornar stripper e aspirante a atriz de filmes adultos, ela não abre mão da autonomia sobre sua sexualidade e, por um breve momento, parece ser a primeira a morrer no filme. É a liberdade sexual das décadas de 60 e 70 tentando abrir caminho em meio aos valores morais cristãos, mas dessa vez não há punição para isso. O mesmo acontece quando a personagem Lorraine, uma jovem conservadora cristã, decide participar do filme “As Filhas do Fazendeiro”, quebrando as expectativas que eram colocadas sobre ela, especialmente pelo namorado, por ela ser uma “boa garota” — e quebrando também a expectativa do público de que ela seria a final girl justamente por não demonstrar sua sexualidade.

Outra importante subversão do final está na impotência dos jovens diante dos monstros de slashers clássicos, monstros esses impossíveis de destruir, reiterando o sentimento de abandono pela família e pelas autoridades. Maxine, uma jovem stripper, não só consegue fugir, como consegue também destruir Pearl. Há esperanças para a juventude assumir o controle sobre a própria vida.

O filme X é um pesadelo coletivo que coloca o público em frente ao espelho com a antagonista, de modo a funcionar como um lembrete de que ninguém está imune ao envelhecimento. Longe de ser uma cópia de O Massacre da Serra Elétrica, Ti West criou uma obra autêntica e tecnologicamente moderna a partir de elementos importantes da década de 70, mostrando uma reprodução bem feita das contradições e complexidades que atravessavam aquela época.

Referências bibliográficas

HANTKE, Steffen. American horror film: the genre at the turn of the millenium. Jackson, University Press of Mississippi, 2010.

ROCHE, David. Exploiting Exploitation Cinema: an Introduction. Transatlantica [En ligne], 2 | 2015, mis en ligne le 14 juillet 2016, consulté le 18 avril 2022. URL: http://journals.openedition.org/transatlantica/7846; DOI: https://doi.org/10.4000/transatlantica.7846

WOOD, Robin. Hollywood: from Vietnam to Reagan… and beyond. New York, Columbia University Press, 2003.

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Barbara Albertoni

Cientista social e especialista em Cinema e Produção Audiovisual. Realizadora audiovisual, fotógrafa, crítica de cinema e criadora do projeto MALDITA.